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domingo, 21 de julho de 2013

Fernando Pessoa/Álvaro de Campos III


O movimento, o movimento
Rápida coisa colorida e humana que passa e fica...

Orquídeas do inverno de 2013 + Fernando Pessoa/Álvaro de Campos

Eu adoro todas as coisas
E o meu coração é um albergue aberto toda a noite.


Tenho pela vida um interesse ávido
Que busca compreendê-la sentindo-a muito.


Amo tudo, animo tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às pedras, às almas e às máquinas,


Para aumentar com isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo para pertencer cada vez mais a mim próprio


E a minha ambição era trazer o universo ao colo
Como uma criança a quem a ama beija.


 Eu amo todas as coisas, umas mais do que as outras - 
Não nenhuma mais do que outra, mas sempre mais as que estou vendo.

Fotos de Hercilia P.



Fernando Pessoa/Álvaro de Campos II


Aquela falsa e triste semelhança
Entre quem julgo ser e quem eu sou.
Sou a máscara que volve a ser criança,
Mas reconheço, adulto, aonde estou.

Terra para relaxar!

Naná
Se não tem mais quintal para ficar deitada num recanto com terra, vai no vaso mesmo. Afinal terra tira o estresse e absorve energias negativas!!! 


Felícia


quarta-feira, 17 de julho de 2013

Pôr do sol

Quando o sol pensa em se esconder no horizonte nestes cachos começam a despertar dezenas de pequenas flores, que aproveitam os últimos raios de claridade e atraem abelhas, borboletas e beija-flores... mas é tudo muito rápido porque o sol tem pressa e quer descansar... então surge a lua acalentada pelo perfume destas florzinhas, na esperança de atrair os insetos noturnos.




Primavera no inverno

O que há de mais bonito neste país é que ele está sempre florido. Não importa a estação: inverno, outono, verão ou primavera... sempre há uma árvore ou planta com flor. Até as orquídeas!
Sempre quis conhecer o outono nos Estados Unidos, porque lá tem aquelas árvores que ficam com as folhas amarelas e vermelhas deixando a paisagem num colorido espetacular. Depois o chão fica todo colorido quando as folhas caem. 
Aqui não tenho árvores que ficam vermelhas, mas tem os ipês que florescem no inverno e deixam o chão todo rosa ou amarelo... cada um florescendo num determinado mês, deixando a paisagem tão deslumbrante!!!

Praça ao lado do ponto final de ônibus.

Ipê roxo, que na verdade é rosa!



Fotos de Hercilia P.
Primavera que floresce no inverno.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Casa da Rua Direita, 7

Durante seis anos vivi um sonho pela metade. Morei numa casa que mais parecia um sítio, com muitas e muitas plantas... Pela metade, porque primeiro a casa não era minha, também porque não era um sítio de verdade, tinha muito verde, algumas árvores, pássaros (cambacicas, sanhaços, beija-flores e muitas pombas) mas me permitia ter acesso a um pouco de verde fora dos vasos, com terra para trabalhar. Era um pedaço de paraíso no meio do cimento que me cercava, vendo tantas pessoas destruírem seus jardins porque dá muito trabalho para cuidar. 
A casa é muito antiga, provavelmente com mais de 60 anos, soube que quem a construiu faleceu dois anos após eu entrar na casa, seu Luis, ele também construiu a casa da dona Adelina (ao lado), que também faleceu. Todos partiram e a casa continua! Uma casa que povoa a imaginação, parece casa do interior, dos tempos dos avós, simples, sem uma infinidade de cômodos minúsculos e apertados.
O quintal era um mimo... grande, imenso para meus animais! Um lugar para se esconder do sol, embaixo das plantas, ou para aproveitar o calor da terra em dias frios, buscar pelos tesouros escondidos na terra (passatempo preferido do Toffee), subir na goiabeira ou na pitangueira. Nunca os soltava à noite com medo de "perdê-los" no meio das plantas e depois ficar desesperada procurando por eles - porque eles adoram se esconder, principalmente quando sabem que não serão encontrados. 
O que as pessoas não sabem é que mexer na terra é muito relaxante, descarrega-se todo o estresse, deixando as mãos e os pés sujos, mas a alma limpa! 
Levei seis anos para transformar aquele pedaço de terra numa mini floresta, criei um microclima naquele lugar, sempre que alguém passava por lá nos dias muitos secos, sem umidade, percebia de imediato a diferença no ar da minha casa. Neste dias super secos (e que estão ficando cada vez mais frequentes) ir para casa era um alívio. Regava as plantas e tudo ficava tão fresco e perfumado.
Seis anos para modelar aquele espaço e já destruíram tudo em poucos dias em nome da reforma. Não acreditei! 
Por isso o desasossego ao sair da casa. Sabia que isto aconteceria.



Fernando Pessoa/Álvaro de Campos

Última orquídea a florescer na casa antiga.
 Ah, tudo isto é para dizer apenas
Que não estou bem na vida, e quero ir
Para um lugar mais sossegado, ouvir
Correr os rios e não ter mais penas.



Fotos: Hercilia P.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Nina, a caçadora

Nina é uma gatinha muito carinhosa, adora chamar a atenção e nos últimos meses descobriu que passarinhos: cambacicas e beija-flores andavam na goiabeira.


Ela bem que tentou pegar um passarinho... mas felizmente não conseguiu.


Uma vez chegou a "abraçar" um que teve o bom senso de ser mais veloz e ágil conseguindo escapar.


Era só ser solta para brincar no quintal que já corria para a goiabeira para ver se tinha um passarinho.


O problema era que toda vez que iria dar o bote ela fazia tanto barulho com os galhos e as folhas que os passarinhos fugiam.




Kiki



Alguém a jogou no meu jardim quando era um bebê, o Toffee a encontrou e quase a esmagou de tão desesperado ficou. O objetivo era conseguir um dono para ela e não consegui. Assim foi ficando, adaptou-se à casa e está aí. Grandona e linda!
Sempre foi muito ativa e adora um cafuné.
Quando vê minhas mãos desocupadas chega perto e fica pedindo carinho!


Olivia


Olivia contemplando o jardim... observando as cambacicas bebendo néctar... 

Orquídea Negra


Elas são tão pequenininhas que mal se percebe que floresceram.
E conseguir um bom foco numa fotografia é muito difícil...

Perfeita!!!


Até hoje não sei o nome desta florzinha. Adora tempo de chuva, e quando começa a temporada ela ressurge em todos os cantos do jardim. Também gosta do escuro, abre suas flores ao entardecer e libera um delicioso perfume pelo quintal.
De manhã, quando o sol começa a esquentar, elas se escondem para não perecerem com o calor.

Perfumes...

Esta variedade de dracena foi um achado na casa da rua Direita. Dos seis anos em que morei lá ela floriu duas vezes. Floradas esplêndidas! 


Vários pendões, em cada um vários cachos em formas de bolas repletos de flores bem pequenas...


Começam a abrir com o por do sol, aproveitando a visita das últimas abelhas, borboletas e beija-flores antes que estes se recolham para dormir...


Então... quando a noite cai as flores começam a liberar o perfume, doce e enebriante. Ao sair para o quintal somos envolvidos pelo perfume e se espalha pelo espaço.
Se o vento estiver a favor, carrega o perfume para dentro de casa.


Claro que peguei uma muda! Vou sentir muita falta desta maravilha!!!

Chocolate de presente


Presente de boas vindas dos meus alunos queridos: Thiago, Elhem, Gabriel Trino, Henrique!!!

Babi


Esta é a Babi! 
Foi resgatada da rua num dia chuvoso (as pessoas gostam de largar gatinhos na rua em dias chuvosos) junto com o irmão o Fox, não tinham mais de dois meses de idade.
Estava no ponto de ônibus, bem cedo, indo para o Brito, quando ouvi um miado...e lá estava dois gatinhos tentando subir na roda de um carro. Tirei de lá, e coloquei próximo a um portão... fui para a escola e comecei a ficar com dor na consciência por não ter tido a ideia de levá-los para o pet shop, onde talvez fossem adotados.
Comecei a ficar tão obcecada com este peso que na hora do almoço corri para lá para ver se os gatinhos ainda estavam vivos.
Encontrei-os no mesmo lugar, ainda tentando subir na roda de um carro, peguei uma caixa no supermercado, vi que eles estavam muito sujos e resolvi levá-los para casa, dar um banho e depois encaminhá-los para o pet shop. 
Como não havia tempo, coloquei-os numa caixa de madeira (bem alta), água e comida e voltei para a escola.
À noite, quando estava chegando em casa, uma moça vem desesperada ao meu encontro dizendo que quase atropelou dois gatinhos que tinham saído da minha casa. Procuramos por eles na rua e os encontramos em cima de uma roda num carro. 
Levei para casa, dei banho, eram tão pequenos que passavam pelo vão da porta. Os outros gatos entraram na fase de conhecer um estranho, os cachorros também. 
No dia seguinte passei no pet e descobri que naquele dia mais de quinze gatinhos foram largados na rua e estavam todos lá. Não tinha mais espaço, e então pediram que eu os levasse quando estivesse mais vazio.
Aí não adianta mais... quarenta e oito horas comigo já me apego e não largo mais, especialmente quando batizo. Mesmo assim ainda tinha o objetivo de adotá-los, mas só queriam a Babi, porque era fofinha e peludinha, e eu queria que adotassem os dois, que não separassem os irmãos... então eles foram ficando...
A Babi é uma super peluda. Ano passado teve que ser tosada porque o pelo estava todo engruvinhado. E também é uma super, mega arisca. Morre de medo de todos e de tudo. Fica o dia inteiro escondida, não deixa ninguém tocar nela ou chegar perto e só sai do esconderijo à noite, quando não há mais perigos.
E ela me considera um perigo, porque sou eu quem a coloco em caixa de transporte para levá-la ao veterinário ou para mudar de casa (estresse maior não há).
Então ela só aparece quando eu estou sentada calmamente vendo TV, porque significa que "encerrei" meu dia e não vou a lugar nenhum.


domingo, 5 de maio de 2013

Livros de abril

No mês de abril li dois livros com temáticas totalmente diferentes. O primeiro foi "Abraham Lincoln, o caçador de vampiros", de Seth Grahame-Smith.


Não me canso de falar como o povo anda "inspirado" ultimamente. Primeiro foi transformar o Lobo Mau da Chapeuzinho Vermelho em Lobisomem. Agora transformar um personagem histórico, com muito prestígio na história norte-americana em caçador de vampiros. 
Não é uma criação, na verdade é uma readaptação porque provavelmente não há mais o que criar e é necessário reinventar em cima de algo existente, como é o caso do que está ocorrendo com vários contos e histórias. 
Não devia ter lido este livro antes de ler ou assistir algo mais sério sobre Lincoln. Agora minha visão ficará deturpada. Como entretenimento o livro é muito bom. Um alívio! 
Quando acabei a leitura fiquei imaginando sobre Kennedy (o presidente morto), porque a história finaliza na década de 60. Seria Kennedy um vampiro, por isso foi morto com um tiro na cabeça? Extrapolando... seria Kennedy um zumbi (assunto para um próximo livro)???

O segundo livro: Pyongyang, de Guy Delisle, indicando por uma ex aluna, a Letícia, que está na Irlanda no momento.


Com bom humor o autor retrata a vida na Coreia do Norte. Triste realidade! Elaborado em forma de graphic novel, o livro está longe de ser chato ou monótono. 
E serve como reflexão. Hoje questionamos tanto como os jovens estão consumistas, são como zumbis com o celular na mão, não pensam e não produzem nada de criativo. Estou presenciando a formação de uma geração Matrix, todos conectados e sendo alimentados virtualmente. e na Coreia do Norte eles conseguem sobreviver sem tecnologia (os pobres, é claro), vivem de uma forma simples. Não que isto seja certo. A forma como eles vivem, sem ter a possibilidade de ter acesso a qualquer melhoria no estilo de vida, a lavagem cerebral que sofrem durante uma vida, a impossibilidade de perceber que enquanto trabalham como voluntários, alguém anda enriquecendo; o racionamento de comida; um governo que manipula a população de uma maneira tão cruel... tudo para percebermos que vivemos extremos. Um consumismo exagerado de um lado (que irá nos levar a uma futura miséria em vários graus - econômica, educacional, esgotamento do planeta) e uma miséria manipulante de outro.

terça-feira, 26 de março de 2013

O nome da rosa - Umberto Eco

Mais uma florada da roseira. fotos Hercilia.

No mês de fevereiro terminei a releitura de "O nome da rosa". Não sei porque mas não foi uma releitura fácil: não havia percebido que se falava tanto em religião e seus conceitos. 
Quando o li pela primeira vez, não havia ainda assistido ao filme exaustivamente (tanto que não me lembrava de que o final era muito diferente - triste). 
Por isso, da primeira vez que li o livro devia estar mais interessada na trama e não percebi todo aquele discurso teológico.
Nesta edição há uma introdução maravilhosa, onde ocorre uma análise narrativa do livro, de como e porque ter sido escrito.
O autor da introdução, David Lodge, descreve que o livro foi escrito para três categorias de leitores: primeiro para os que apreciam a estrutura de ficção policial clássica, uma história de crime e investigação, com inspiração explícita em Sherlock Holmes, até na estrutura utilizada por Conan Doyle onde Adson/Watson narra a história vivenciada; a segunda categoria é para quem é apaixonado pelo debates de idéias e procura estabelecer conexões com o presente; a terceira categoria "se dará conta de que este texto é um tecido de outros textos, um 'quem matou' de citações, um livro feito de livros".
Descobri que Jorge de Burgos, o bibliotecário, foi criado para homenagear Jorge Luis Borges (que também havia sido bibliotecário).


E que o título "O nome da Rosa" não era uma referência à única personagem feminina da trama, mas sim uma referência à Roma (um equívoco de copista). 



Neste releitura o livro ficou um tanto cansativo, porque percebi mais as idéias, as crises que a Igreja vinha passando com as diversas ordens. 
E depois em março (2013), um papa franciscano é eleito. Como não fazer analogias e lembrar como esta ordem sofreu para impor seus princípios.

"Sobram mais duas virtudes teologais. A esperança de que o possível exista. E a caridade, para com quem acreditou de boa fé que o possível existisse." (p. 378)

Eco, Humberto - O nome da rosa; Editora Record, Rio de Janeiro, 2011

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Álvaro de Campos/ Fernando Pessoa

Três Sonetos

Quando olho para mim não me percebo,
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
(...)

Terceira rosa, presente da Claúdia
Foto: Hercilia Prandi/ fev 2013

Nem nunca propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? serei

Mesma rosa no dia seguinte - foto noturna
foto: Hercilia
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
(...)

Terceiro dia
foto: Hercilia
Isso de sensações só vale a pena
Se a gente se não põe a olhar pra elas.
Nenhum delas em mim é serena...

Outro ângulo
foto: Hercilia
De resto, nada em mim é certo e está
De acordo comigo próprio. As horas belas
São as dos outros, ou as que não há.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Minha biblioteca encaixotada


Assim como na crônica de Joca Reiners Terron eu também já mudei, e muito... 13 vezes! Em algumas casas fiquei mais tempo, de outras, saí logo. Houve uma casa, a minha preferida, passei a minha infância e adolescência, foram 16 anos naquela casa - por isso ser a minha favorita - era pequena, mas tinha um quintal enorme, o que deu margem para a minha família de acumuladores condições de guardar tudo o que aparecia (tinha um barracão bem no meio do quintal). Meu pai era militar e nunca entendi direito porque a família não mudava com tanta frequência como os vizinhos. Acredito que a família numerosa do jeito que era não estimulava ao quartel financiar nossa mudança... e fomos ficando, ficando e os vizinhos e amigos partiam de dois em dois anos.

Em decorrência eu nutria um desejo de mudar para qualquer lugar e vivenciar esta experiência... Por outro lado virei um ser antisocial porque cansei de ver os amigos indo embora e perder o contato com eles - ninguém gostava de escrever cartas. Mais tarde me arrependi muito do desejo de mudança, porque quando ela finalmente aconteceu não parou mais.

O lado bom das mudanças é que quando os problemas com vizinhos aparecem é só procurar outro lugar e não ficar amargando vizinhança infeliz!

A primeira vez que fui responsável por uma mudança foi logo após ao falecimento da minha mãe, sem experiência nenhuma, com medo de dar ordens demais e me impor foi um caos, tinha tanta, tanta coisa, ninguém quis se desfazer de nada... a mudança começou às 9 horas e terminou na madrugada do dia seguinte, quase uma hora, numa casa muito menor... ficamos dois anos na casa, e muitas caixas nem foram desmontadas. Um dia o vizinho apareceu e avisou de que o caminhão da prefeitura iria passar na rua e se eu quisesse me desfazer de algo era só deixar na calçada. Foi a deixa, me desfiz de muita bugiganga, tudo que era inútil ou não era mais utilizado foi para o lixo... achamos vários camundongos. Foi uma limpeza que me fez bem, acredito que a partir deste momento comecei a pensar melhor em até que ponto valia à pena guardar tanto lixo e comecei a jogar mais coisas fora. A mudança seguinte começou às 11 h e terminou às 21 h. e as seguintes foram mais rápidas.

Então aprendi a me desfazer de bens... aprendi que móveis menores são mais fáceis de carregar e não sofrem com o desmonte, livros de que não gostei de ler vão para a biblioteca ou para o sebo, e que em vez de colocá-los em caixas que ficam pesadas, melhor colocá-los em sacos de lixo de 20 litros, é só tomar cuidado na hora de tirar a fita adesiva que o saco será reaproveitado (da última vez fiquei um ano e meio sem precisar comprá-los), só as plantas continuam sendo um problema... planto tudo o que é semente que me aparece, elas crescem e não consigo me desfazer, porque são únicas... e esta minha briga com a destruição da natureza fortalece ainda mais a minha necessidade de tê-las...

Atualmente estou há cinco anos nesta casa... e há uma "necessidade" de mudança, mais não estou desejando muito isto. Uma casa com um grande quintal - adquiri muitos mais vasos; comprei mais livros e faz tempo que não me desfaço dos outros... será uma mudança difícil! 

Agora é esperar o bichinho da limpeza me atacar para fazer aquela faxina!

Uma biblioteca encaixotada



Por Joca Reiners Terron
All my worldly possessions...
1.
Escrevo em meio ao caos de uma mudança de endereço. Será minha vigésima quarta casa em 45 anos. Ao contrário do que possa parecer, odeio me mudar. Se minha biografia fosse um mapa, teria esses tantos pontos assinalados rodeados por um oceano de amnésia. Viver pouco tempo num lugar não permite estabelecer relações necessárias para que o afeto construa suas pontes, assim o passado cai facilmente no esquecimento, deixando espaço para a imaginação trabalhar. Não tenho amigos de infância, portanto não existe ninguém que possa me desmentir.
2.
O primeiro trauma da mudança está relacionado aos livros. Descobri que na casa de meus pais havia uma biblioteca somente quando foi encaixotada. A falta dela me fez descobri-la, entender que dependia dos livros. O trauma se deve ao fato de os livros serem os primeiros objetos da casa a serem encaixotados e os últimos a serem desencaixotados. Uma biblioteca encaixotada. Para mim não existe outra imagem que melhor defina a melancolia.
3.
Existe, sim. É a imagem de uma caixa de livros em chamas num terreno baldio e eu sentado em cima de um muro, observando-a. Minha mãe ateou fogo aos livros. Ela está mais calma agora, e olha impassível o bruxulear do fogo. Também olha de rabo de olho para mim, talvez arrependida, mas não devolvo o olhar. Minha atenção está inteiramente voltada aos livros em chamas. Ouço os pedidos de socorro de Marco Vinício e Lígia, protagonistas de Quo Vadis, o romance de Henryk Sienkiewicz que estava na caixa. Ambos sobreviveram ao incêndio de Roma causado por Nero, porém não à TPM de minha mãe.
4.
Melhor esquecer esse assunto.
5.
Desta vez optei por encaixotar eu mesmo os livros. A desculpa é limpá-los e fazer uma triagem para descarte, a verdade é que os custos dessas mudanças completas em que carregadores vêm e embalam tudo em segundos estão altos demais, bastante além de meu orçamento. Me demoro a reler passagens de romances. Ganho coragem e jogo fora toda uma coleção de suplementos culturais de jornais. Recebo aplausos pelo desapego. Antes de fechar a porta, dou uma última paquerada na pilha de papéis fedorentos no corredor. A luz automática apaga, encosto a porta e a abro de novo. Retiro um exemplar do Babelia. Leio um trecho de entrevista com um autor que admiro. Volto para dentro de casa com o suplemento dobrado sob o braço. Uma voz resgatada do incêndio. De cinco em cinco minutos espio através do olho mágico da porta para ver se alguém levou os jornais.
6.
Lembro de minha infelicidade ao não encontrar um livro qualquer de que gostava ao chegar num novo destino. Acontecia com frequência, e existia algo de misterioso no sumiço daqueles livros amados. Teriam voltado ao lugar onde nasceram, a Oz, a Reykjavyk, a Budapeste? Iguais aos gatos, não admitiam abandonar sua antiga casa, extraviando-se no caminho? Carregadores letrados abririam caixas de livros e os leriam na estrada, confortavelmente embalados pelo sacudir da caçamba do caminhão? Seria possível que existissem caixas de livros que contivessem passagens a outras dimensões? Eu era ingênuo, não suspeitava das artimanhas perpretadas por meu Nero particular. Porém é melhor não falar mais nisso.
7.
Mudanças frequentes como as que vivi terminam por ocasionar limpeza excessiva na memória de um lar, são sempre boa desculpa para se desfazer de coisas velhas. Viver algum tempo num mesmo endereço, hoje eu sei, é um exercício de acúmulo na mesma medida em que mudar é exercitar o desapego. O que não explica muita coisa, pois já sou um sujeito bastante desapegado. Tenho duas calças, dois pares e meio de sapatos (perdi um pé não sei bem onde, suponho que no meio do caminho do nada para lugar nenhum) e cinco mil livros, todos encaixotados. Mas não por muito tempo.

* * * * *

Joca Reiners Terron é escritor. Publicou Curva de rio sujo e Sonho interrompido por guilhotina, entre outros. Pela Companhia das Letras, lançou seu último romance, Do fundo do poço se vê a lua, e relançou seu primeiro, Não há nada lá. Ele contribui para o blog com uma coluna quinzenal.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Orquídeas do verão

Às vezes ouço passar o vento;
 e só de ouvir o vento passar,
vale a pena ter nascido.
Fernando Pessoa




fotos de Hercilia Prandi
orquídeas da coleção pessoal de Hercilia Prandi.