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14/02/1956 - 04/06/2016 |
Algumas pessoas não deveriam partir tão cedo porque possuem qualidades, conhecimentos e valores inestimáveis e insuperáveis... cuja ausência não será fácil de repor...
Uma dessas pessoas é Carlos Sallaberry, uma pessoa com incrível conhecimento de Tai Chi Chuan e com um dom magnífico para a acupuntura.
Eu comecei a treinar Tai Chi em 1989 e foi a primeira vez que me envolvi de corpo e alma com uma atividade física - foi a primeira prática física que consegui fazer sem me sentir uma total incompetente e traumatizada. Começava aos poucos, respeitando as limitações, principalmente ao aprender a sequência - um passo por dia, até memorizá-lo. Na época, ainda trabalhava no Banco e ia ao banheiro para ficava treinando.
Logo depois saí do Banco, e nunca tinha pensado nisso, mas talvez o treinamento tivesse me dado coragem de sair de um serviço que me deixava infeliz. Presenciei vários alunos tomando decisões que poderiam ser consideradas radicais após começarem o treinamento.
Então, comecei a treinar de manhã, à tarde e à noite. Normalmente ia em dois horários, quando não nos três... e nos sábados e até nas atividades aos domingos.
Eu adorava aquele lugar! Adorava o treinamento!
Uma das atividades era aplicar o treinamento em caminhadas... e o Pico do Jaraguá era o principal lugar para a prática.
Fiz tanta caminhada no Pico que perdi a conta...
Às vezes, todo mundo junto ou em grupos separados para que os alunos avançados aprendessem a liderar e cuidar de um grupo.
Aprendi a não deixar família e amigos juntos para não criar dependência; onde o guia devia respeitar o ritmo dos demais e esperar; havia um líder que fechava o grupo ficando responsável pela retaguarda. Participava crianças e idosos junto com os jovens e todos se saíam bem. Nunca houve um acidente ou problema sério. Eu gostava de puxar - ficar na frente, me irritava ser a última. E eu tinha e ainda tenho o péssimo hábito de me perder. Simplesmente me perco, por mais que faça o mesmo caminho. Felizmente sempre me encontro. Mas é ao me perder que faço descobertas e os caminhos que tomava eram emocionantes. Imagino o quanto o Carlos ficava desesperado atrás de mim.
Uma vez, era um treinamento mais avançado e ele orienta para seguir um outro caminho - pronto, me perdi novamente. Eu e mais três garotas descendo e subindo rocha e morro. Até que cheguei num ponto que conhecia e segui. No final, o Carlos desesperado porque não chegávamos e ele não conseguia nos encontrar. E eu chegando toda feliz porque achei o máximo do caminho que fiz!
Era sempre assim... ele nos incitava a sair da zona de conforto, a superar limites e depois ficava preocupado se algo desse errado.
Fazer caminhadas foi onde aprendi definitivamente a respeitar o espaço, a natureza, a conhecer meus limites, a respeitar o próximo!
Com o Carlos treinei exaustivamente, me apresentei em público, subi e escalei montanhas, atravessei uma gruta rastejando por um túnel e viajei bastante. Experimentei os meus limites e superei-os. Foi a melhor época da minha vida!
Que parou porque a minha mãe estava doente e precisei me dedicar mais a ela e depois eu precisava trabalhar para pagar contas e passei a trabalhar nos mesmo períodos em que treinava... e o tempo foi passando e eu sempre me dizendo que volto a treinar logo... e o tempo passando... e mais de 20 anos se foram e não voltei a treinar... e o Carlos se foi... a genética do coração foi mais forte apesar de todo treinamento!
Esporadicamente o encontrava e colocava a conversa em dia. Por isso, não me dei conta do tempo passando, parecendo que foi ontem que parei de treinar...
Mas, nada foi perdido... até hoje, em alguns momentos ainda treino a sequência (que nem é mais a mesma), ainda faço os exercícios de alongamento e de tai chi, mas não é a mesma coisa, não tenho a mesma disciplina que tinha na academia. Mesmo depois de 20 anos ainda me lembro do treinamento, que se deve pela forma como foi aplicado - exaustiva repetição para corrigir erros, principalmente de postura.
Superei um pouco a timidez, o suficiente para me impor em algumas situações; aprendi a enfrentar alguns desafios e não permitir que eles me vencessem; aprendi que não gosto de holofotes, prefiro estar liderando em segundo plano. Talvez, eu já fosse naturalmente organizada, mas o treinamento intensificou e aflorou este meu lado!
O Carlos foi um divisor de águas na minha vida. Nem consigo imaginar que caminhos teria ido se ele não a tivesse cruzado. E somente hoje, com a perda dele, reflito sobre a enorme importância que ele teve!
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