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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Álvaro de Campos/ Fernando Pessoa

Três Sonetos

Quando olho para mim não me percebo,
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
(...)

Terceira rosa, presente da Claúdia
Foto: Hercilia Prandi/ fev 2013

Nem nunca propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? serei

Mesma rosa no dia seguinte - foto noturna
foto: Hercilia
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
(...)

Terceiro dia
foto: Hercilia
Isso de sensações só vale a pena
Se a gente se não põe a olhar pra elas.
Nenhum delas em mim é serena...

Outro ângulo
foto: Hercilia
De resto, nada em mim é certo e está
De acordo comigo próprio. As horas belas
São as dos outros, ou as que não há.


terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Minha biblioteca encaixotada


Assim como na crônica de Joca Reiners Terron eu também já mudei, e muito... 13 vezes! Em algumas casas fiquei mais tempo, de outras, saí logo. Houve uma casa, a minha preferida, passei a minha infância e adolescência, foram 16 anos naquela casa - por isso ser a minha favorita - era pequena, mas tinha um quintal enorme, o que deu margem para a minha família de acumuladores condições de guardar tudo o que aparecia (tinha um barracão bem no meio do quintal). Meu pai era militar e nunca entendi direito porque a família não mudava com tanta frequência como os vizinhos. Acredito que a família numerosa do jeito que era não estimulava ao quartel financiar nossa mudança... e fomos ficando, ficando e os vizinhos e amigos partiam de dois em dois anos.

Em decorrência eu nutria um desejo de mudar para qualquer lugar e vivenciar esta experiência... Por outro lado virei um ser antisocial porque cansei de ver os amigos indo embora e perder o contato com eles - ninguém gostava de escrever cartas. Mais tarde me arrependi muito do desejo de mudança, porque quando ela finalmente aconteceu não parou mais.

O lado bom das mudanças é que quando os problemas com vizinhos aparecem é só procurar outro lugar e não ficar amargando vizinhança infeliz!

A primeira vez que fui responsável por uma mudança foi logo após ao falecimento da minha mãe, sem experiência nenhuma, com medo de dar ordens demais e me impor foi um caos, tinha tanta, tanta coisa, ninguém quis se desfazer de nada... a mudança começou às 9 horas e terminou na madrugada do dia seguinte, quase uma hora, numa casa muito menor... ficamos dois anos na casa, e muitas caixas nem foram desmontadas. Um dia o vizinho apareceu e avisou de que o caminhão da prefeitura iria passar na rua e se eu quisesse me desfazer de algo era só deixar na calçada. Foi a deixa, me desfiz de muita bugiganga, tudo que era inútil ou não era mais utilizado foi para o lixo... achamos vários camundongos. Foi uma limpeza que me fez bem, acredito que a partir deste momento comecei a pensar melhor em até que ponto valia à pena guardar tanto lixo e comecei a jogar mais coisas fora. A mudança seguinte começou às 11 h e terminou às 21 h. e as seguintes foram mais rápidas.

Então aprendi a me desfazer de bens... aprendi que móveis menores são mais fáceis de carregar e não sofrem com o desmonte, livros de que não gostei de ler vão para a biblioteca ou para o sebo, e que em vez de colocá-los em caixas que ficam pesadas, melhor colocá-los em sacos de lixo de 20 litros, é só tomar cuidado na hora de tirar a fita adesiva que o saco será reaproveitado (da última vez fiquei um ano e meio sem precisar comprá-los), só as plantas continuam sendo um problema... planto tudo o que é semente que me aparece, elas crescem e não consigo me desfazer, porque são únicas... e esta minha briga com a destruição da natureza fortalece ainda mais a minha necessidade de tê-las...

Atualmente estou há cinco anos nesta casa... e há uma "necessidade" de mudança, mais não estou desejando muito isto. Uma casa com um grande quintal - adquiri muitos mais vasos; comprei mais livros e faz tempo que não me desfaço dos outros... será uma mudança difícil! 

Agora é esperar o bichinho da limpeza me atacar para fazer aquela faxina!

Uma biblioteca encaixotada



Por Joca Reiners Terron
All my worldly possessions...
1.
Escrevo em meio ao caos de uma mudança de endereço. Será minha vigésima quarta casa em 45 anos. Ao contrário do que possa parecer, odeio me mudar. Se minha biografia fosse um mapa, teria esses tantos pontos assinalados rodeados por um oceano de amnésia. Viver pouco tempo num lugar não permite estabelecer relações necessárias para que o afeto construa suas pontes, assim o passado cai facilmente no esquecimento, deixando espaço para a imaginação trabalhar. Não tenho amigos de infância, portanto não existe ninguém que possa me desmentir.
2.
O primeiro trauma da mudança está relacionado aos livros. Descobri que na casa de meus pais havia uma biblioteca somente quando foi encaixotada. A falta dela me fez descobri-la, entender que dependia dos livros. O trauma se deve ao fato de os livros serem os primeiros objetos da casa a serem encaixotados e os últimos a serem desencaixotados. Uma biblioteca encaixotada. Para mim não existe outra imagem que melhor defina a melancolia.
3.
Existe, sim. É a imagem de uma caixa de livros em chamas num terreno baldio e eu sentado em cima de um muro, observando-a. Minha mãe ateou fogo aos livros. Ela está mais calma agora, e olha impassível o bruxulear do fogo. Também olha de rabo de olho para mim, talvez arrependida, mas não devolvo o olhar. Minha atenção está inteiramente voltada aos livros em chamas. Ouço os pedidos de socorro de Marco Vinício e Lígia, protagonistas de Quo Vadis, o romance de Henryk Sienkiewicz que estava na caixa. Ambos sobreviveram ao incêndio de Roma causado por Nero, porém não à TPM de minha mãe.
4.
Melhor esquecer esse assunto.
5.
Desta vez optei por encaixotar eu mesmo os livros. A desculpa é limpá-los e fazer uma triagem para descarte, a verdade é que os custos dessas mudanças completas em que carregadores vêm e embalam tudo em segundos estão altos demais, bastante além de meu orçamento. Me demoro a reler passagens de romances. Ganho coragem e jogo fora toda uma coleção de suplementos culturais de jornais. Recebo aplausos pelo desapego. Antes de fechar a porta, dou uma última paquerada na pilha de papéis fedorentos no corredor. A luz automática apaga, encosto a porta e a abro de novo. Retiro um exemplar do Babelia. Leio um trecho de entrevista com um autor que admiro. Volto para dentro de casa com o suplemento dobrado sob o braço. Uma voz resgatada do incêndio. De cinco em cinco minutos espio através do olho mágico da porta para ver se alguém levou os jornais.
6.
Lembro de minha infelicidade ao não encontrar um livro qualquer de que gostava ao chegar num novo destino. Acontecia com frequência, e existia algo de misterioso no sumiço daqueles livros amados. Teriam voltado ao lugar onde nasceram, a Oz, a Reykjavyk, a Budapeste? Iguais aos gatos, não admitiam abandonar sua antiga casa, extraviando-se no caminho? Carregadores letrados abririam caixas de livros e os leriam na estrada, confortavelmente embalados pelo sacudir da caçamba do caminhão? Seria possível que existissem caixas de livros que contivessem passagens a outras dimensões? Eu era ingênuo, não suspeitava das artimanhas perpretadas por meu Nero particular. Porém é melhor não falar mais nisso.
7.
Mudanças frequentes como as que vivi terminam por ocasionar limpeza excessiva na memória de um lar, são sempre boa desculpa para se desfazer de coisas velhas. Viver algum tempo num mesmo endereço, hoje eu sei, é um exercício de acúmulo na mesma medida em que mudar é exercitar o desapego. O que não explica muita coisa, pois já sou um sujeito bastante desapegado. Tenho duas calças, dois pares e meio de sapatos (perdi um pé não sei bem onde, suponho que no meio do caminho do nada para lugar nenhum) e cinco mil livros, todos encaixotados. Mas não por muito tempo.

* * * * *

Joca Reiners Terron é escritor. Publicou Curva de rio sujo e Sonho interrompido por guilhotina, entre outros. Pela Companhia das Letras, lançou seu último romance, Do fundo do poço se vê a lua, e relançou seu primeiro, Não há nada lá. Ele contribui para o blog com uma coluna quinzenal.

domingo, 3 de fevereiro de 2013