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segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

+ Fernando Pessoa - Álvaro de Campos

"Porque a recompensa de não existir é estar sempre presente."


"Cristãos, pagãos, maometanos,
A qual de vós fará o Mistério a vontade?
A incerteza do que é a morte é o que nos vale na vida.
O desconhecimento do que é a morte é o sentido da vida.
O desconhecermos a morte é que faz a beleza da vida.


Quem sabe o valor exato de uma vida?
Sei que há uma vida, e que apagam essa vida - não sei é quem apaga
Mas sei que de cada vida que passa há um universo em mim."


"Depois, lentamente esqueceste.
Só és lembrado em duas datas, aniversariamente:
Quando faz anos que nasceste, quando faz anos que morreste,
Mais nada, mais nada, absolutamente mais nada.
Duas vezes no ano pensam em ti.
Duas vezes no ano suspiram por ti os que te amaram,
E uma ou outra vez suspiram se por acaso se fala em ti."  


"Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, para que eu o aproveite?"


"Aproveitar o tempo!...
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisas,
A poeira de uma estrada, involuntária e sozinha,
O regato casual das chuvas que vão acabando,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm outras,
O pião do garoto, que vai a parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses no chão do Destino."


"O coração anda aos trambolhões.
Viver é desencontrar-se consigo mesmo."


"Hoje que tudo me falta, como se fosse o chão,
(...)
Tudo quanto tenho feito, conheço-o claramente: é nada.
Tudo quanto sonhei, podia tê-lo sonhado o moço de fretes.
Tudo quanto amei, se hoje me lembro que o amei, morreu há muito."


"Como é que eu sei qualquer coisa a respeito do que teria sido
Do que teria sido, que é o que nunca foi?"


"E a humanidade ama porque ama falar no amor."


"Não sei: já ao acordar estava triste.
O dia deu em chuvoso."


"Quero acabar entre rosas, porque as amei na infância."


"Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão."


"Não ter emoções, não ter desejos, não ter vontades,
Mas ser apenas, no ar sensível das coisas
Uma consciência abstrata com asas de pensamento."


"Mas eu não tenho problemas, tenho só mistérios.
Todos choram as minhas lágrimas, porque as minhas lágrimas são todos.
Todos sofrem no meu coração, porque o meu coração é tudo."


Partir!
Nunca voltarei,
Nunca voltarei porque nunca se volta.
O lugar a que se volta é sempre outro,
(...)
Já não está a mesma gente, nem a mesma luz, nem a mesma filosofia.


O que há em mim é sobretudo cansaço -
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.


"Ah, de que serve
A arte que quer ser vida, sem a vida que quer ser?
De que serve a arte se não é a arte que queremos?
De que nos serve a vida se a queremos e não a buscamos,
Se nunca é para nós a vida?"




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