MANOEL DE BARROS
O apanhador de desperdícios
Uso a palavra para compor meus silêncios
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso as palavras para compor meus silêncios.
(de Memórias Inventadas: a Infância - 2003)