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domingo, 4 de outubro de 2015

Lisa


No dia 2 de outubro, às 16:10 h a Lisa me deixa, de repente, sem muito aviso...


Foram 16 anos de companhia, 16 anos conquistados... porque ela poderia ter morrido aos 2 meses de idade, mas conseguiu chegar a uma idade avançada, aos trancos e barrancos, mas chegou...


 Em 1999 vi aquela cachorrinha doente tentando entrar na casa da vizinha que tinha uma cocker igual a ela, devia imaginar que era a mãe desaparecida. Fui lá  peguei-a e levei ao veterinário, onde levei uma bronca por ter pegado um animal tão doente: pneumonia, sarna, subnutrição... quase morrendo. Um veterinário que a tratou com desdem, deu um remédio que estragou os dentes dela, mal a tocava... por causa deste tratamento mudei de veterinário para o dr. Marcelo, onde estou até hoje. Cuidei dela e ela se recuperou, ficando uma cachorra linda, mas sempre com sequelas...


Neste novo lar já tinha três cachorros, então ela logo percebeu que não seria a dominante, mas ela adorava o Toffee e o Teddy, e a Sookie que veio mais tarde a adorava. Ela se irritava com as investidas e carinhos excessivos da Sookie. A situação mudou quando o Toffee e o Teddy faleceram. Ficaram só as duas que tornaram-se inseparáveis. Sempre juntas, nunca se largando.


O olhar triste sempre a acompanhou. Levou anos para aprender a dizer que estava do lado de fora e a esqueceram lá. Várias vezes quando a soltava para fazer xixi esqueci-a lá fora, só percebia quando via  vazio dela na casa, já ficou horas esperando que abrissem a porta. Um dia aprendeu que tinha que latir para ser ouvida...


Antes dos dois anos quase morreu. A vizinha jogou comida estraga no quintal e a Lisa não podia deixar para lá - comeu e começou a vomitar, no mais longo feriado prolongado de Osasco, o doutor viajando, dois dias vomitando, passei a noite acordada vigiando o sono dela e quando consegui levá-la ao veterinário ficou internada com suspeita de leptospirose com o diagnóstico de que não sobreviveria. Quando o doutor Marcelo voltou ficou mais três ou quatro dias internada até sair o resultado do exame que deu negativo, era uma intoxicação alimentar. Estava muito frio quando fui buscá-la e ela ganhou a primeira roupinha. A segunda tentativa da morte em pegá-la! 


Logo depois eu quase a perco quando ela deve ter subido no muro para latir para alguém e caiu do outro lado. Estava me esperando do lado de fora do portão.


Nos primeiros anos de vida ela tinha uma juba linda envolta do pescoço, mas devido a um problema de pele causado por ácaros ela precisava ser tosada e perdeu aquela juba maravilhosa, nunca mais cresceu do mesmo jeito...


Problemas com o intestino eram frequentes devido a grandes quantidades de remédios que tomou...


Era forte... venceu vários problemas de saúde e demorou para que os rins começassem a falhar...

Última foto - em agosto; Nina dormindo em cima da Lisa

Nos últimos anos começaram as primeiras manifestações da coluna, fazendo-a perder o equilíbrio... mas eram solucionados rapidamente com medicação... mais um fator agravante...
Na última semana de vida, quando tentava se equilibrar para ficar de pé a Nina sempre ao lado, mas atrapalhando do que ajudando... acredito que ela pressentia algo, talvez a dor que a Lisa sentia...



 Não gostava de brincar de bolinha, não sabia brincar... quando jogavam uma bolinha ela no máximo pegava e a deixava na boca...  se pudesse comia tudo o que tinha pela frente, inclusive cocô de gato (vício irrecuperável) - fazia de tudo para ter acesso a esta iguaria!


Com seu jeito tranquilo tinha pequenos prazeres... cafuné no pescoço, ser escovada, terminar de raspar a casca de coco... Também mordia as canelas dos homens que a incomodavam...
Morria de medo de trovões e fogos de artifício! Há anos não vejo os fogos de fim de ano para ficar ao lado dela. Quantas vezes não cheguei em casa e vi o fogão fora do lugar - ela tentava se esconder atrás dele quando começava uma tempestade. Não gostava de ir tomar banho, ficava feliz de ver o Márcio, mas não de entrar na van, mas voltava toda linda e perfumada com fitas e laços e se sentia a mais linda de todas!


Era evidente quando fazia algo errado, não aparecia para me receber quando chegava em casa... E conhecia melhor que ninguém meus tons de voz, fugia ao perceber qualquer alteração do meu humor. 


Este ano já não estava muito ativa... a idade já a fazia dormir profundamente e normalmente não me ouvia chegar. A Sookie corria para acordá-la para avisar que cheguei, ela dava um cutucão, às vezes dois até ela levantar. 
Tornaram-se tão inseparáveis que a Sookie só comia depois que a Lisa recebesse seu prato... iam juntas fazer xixi - uma sempre esperando a outra... acompanhando, dormindo próximas, vigiando e cuidando simultaneamente. 


Nos dois últimos anos tinha o hábito de me acompanhar até o portão e ficar latindo quando me via sair do ponto de visão dela. Ouvia o latido por um bom tempo enquanto subia a rua.
Aprendeu também a ser meu despertador; quando eu não levantava quando tocava ela começava a latir para que eu levantasse da cama porque ela queria ir fazer xixi...


Era a única que quando passava mal ia para o quintal, isso só não acontecia se eu não percebesse a ansiedade para sair e o pedido insistente... 


Quando questiono o que vim fazer ao mundo é a Lisa que me responde, ela não deveria ter sobrevivido àqueles dias e chegou aos 16 anos tendo uma vida saudável e feliz e eu fui a responsável por isso.


Sabe que está sendo filmada, mas finge que não se importa!
De tudo só resta o consolo que não sofreu por muito tempo como aconteceu com os outros, dias e dias de sofrimento, idas e vindas ao veterinário, internações... sofrimento para eles e para mim... que vejo a minha inutilidade em ajudar e resolver o que não tem mais solução... 

terça-feira, 28 de julho de 2015

Saudade - Pablo Neruda

Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas o amado já.
Saudade é amar um passado que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...


Saudade é sentir que existe o que não existe mais.
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam.
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.


E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudades,
passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.


(Pablo Neruda)

Se te comparo a um dia de verão...

Se te comparo a um dia de verão
És por certo mais belo e mais ameno
O vento espalha as folhas pelo chão
E o tempo do verão é bem pequeno.


Às vezes brilha o Sol em demasia
Outras vezes desmaia com frieza;
O que é belo declina num só dia,
Na terna mutação da natureza.

 

Mas em ti o verão será eterno,
E a beleza que tens não perderás;
Nem chegarás da morte ao triste inverno:
Nestas linhas com o tempo crescerás.
E enquanto nesta terra houver um ser,
Meus versos vivos te farão viver.


(Shakespeare)

Pedaços... (VI) - Orquídea Colmanara Wildcat "Carmela"

Não quero alguém que morra de amores por mim.
Só preciso de alguém que demonstre em pequenos gestos que gosta de estar ao meu lado.
(Mário Quintana)

Colmanara Wildcat "Carmela"

Tudo em ti era uma ausência que se demorava,
uma despedida pronta a cumprir-se.
(Cecília Meireles)


Lembrai-vos de viver antes de quererdes saber para quê;
e verificareis que, tendo vivido, a pergunta deixa de ter sobre vós o seu peso terrível.
(Sto. Agostinho)


Viver é muito perigoso...
Só que todos vivemos e o perigo nos dá sinais de alerta para vivermos melhor.
(Guimarães Rosa)


Uns sentem a chuva,
outros apenas se molham.
(Bob Dylan)

Pablo Neruda

É proibido não buscar a felicidade...


Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,


Não sentir que sem você este mundo seria igual.
(Pablo Neruda)

Pedaços... (V) - Ipê roxo

Chega de velhas desculpas e velhas atitudes!
Que o Ano Novo traga vida nova, como rio que sai lavando e levando tudo por onde passa.
(Clarice Lispector)


Viver é isto: ficar se equilibrando, o tempo todo, entre escolhas e consequências.
(Jean-Paul Sartre)


Cada coisa tem sua hora e cada hora o seu cuidado.
(Raquel de Queiroz)


Eu tenho um caso de amor com a vida.
(Robert Frost - citado por Rubem Alvem)


Há um certo gosto em pensar sozinho. 
É ato individual, como nascer o morrer.
(Carlos Drummond de Andrade)


Nas asas do tempo, a tristeza voa.
(La Fontaine)


Pedaços... (IV)

Sofremos demais pelo pouco que nos falta e
alegramo-nos pouco pelo muito que temos.
(Shakespeare)

Mac
 Mesmo quando tudo parece desabar, 
cabe a mim decidir ou lutar,
porque descobri,
no caminho incerto da vida,
que o mais importante é o decidir.
(Cora Coralina)

Sheldon
 Viver é um rasgar-se e remendar-se.
(Guimarães Rosa)

Kiki & Greta
 O correr da vida embrulha tudo.
A vida é assim: 
esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa...
sossega e depois desinquieta.
O que ela quer da gente é coragem.
(Guimarães Rosa)

Desejo a vocês...

Desejo a vocês...
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão


Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor.
(Carlos Drummond de Andrade)

Pedaços... (III)

Gostaria de te desejar tantas coisas.
Mas nada seria suficiente.
Então, desejo apenas que você tenha muitos desejos.
Desejos grandes.


E que eles possam te mover a cada minuto, 
ao rumo da sua felicidade!
(Carlos Drummond de Andrade)

Pedaços... (II)

Cada pessoa que passa em nossa vida, 
passa sozinha, 
porque cada pessoa é única e nenhuma substitui a outra.


Cada pessoa que passa em nossa vida passa sozinha,
mas não vai sozinha e nem nos deixará só, 
porque leva um pouco de nós e deixa um pouco de si.


Há os que levam muito e deixam pouco, 
há os que levam pouco e deixam muito.
Essa é a mais bela responsabilidade da nossa vida e a prova de que não nos encontramos por acaso.


Para viver feliz é preciso muito pouco...
um olhar carinhoso...
um sorriso...
um beijo demorado...
uma brincadeira sadia...


Fechei os olhos e pedi um favor ao vento:
leve tudo que for desnecessário.
Ando cansada de bagagens pesadas.
Daqui para frente apenas o que couber no bolso e no coração.
(Cora Coralina)


Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem cada um como é.
(Fernando Pessoa)


Comece fazendo o que é necessário,
depois o que é possível,
e de repente você estará fazendo o impossível.
(São Francisco de Assis)


Não ande atrás de mim,
talvez eu não queira liderar.
Não ande na minha frente,
talvez eu não queira segui-lo.
Ande ao meu lado,
para podermos caminhar juntos.
(Provérbio Ute)

Pedaços... (I)

Seja você a mudança que tanto procura nos outros.
As pessoas não mudam com cobranças, mudam com exemplos.


A alma sempre sabe o que fazer para se curar. 
O desafio é silenciar a mente.
(Caroline Myss)


A pergunta que todos nós devíamos fazer é: o que foi que fiz se nada mudou?
Deveríamos viver mais incomodados.
O amanhã não existirá se não mudarmos o hoje.
(José Saramago)


Existe no silêncio tão profunda sabedoria que às vezes ele transforma-se na mais perfeita resposta.
(Fernanda Pessoa)

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Eu sei, mas não devia

Eu sei, mas não devia

Marina Colasanti

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

(1972)

Marina Colasanti
nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna. 

O texto acima foi extraído do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.