Ontem me dei ao trabalho de contá-los: quatro fêmeas, dois machos, mais um ou dois forasteiros e 14 filhotes de três ninhadas recentes.
São os meus filhos. Dou-lhes comida, carinho, mimos e atendimento veterinário. Moram no jardim e na garagem do meu prédio, amoitando-se vez por outra na obra defronte ou casa ao lado.
Só uma delas, Lourinha, a mais antiga, frequenta a minha cama. São todos vira-latas. Chamo-os de "meus meninos de rua". Mas é claro que lhes dei nomes próprios, ainda que sem seguir à risca os conselhos de T.S. Eliot.
Nunca tive gato de raça porque sempre preferi adotar os meus na orfandade das ruas e dos jardins públicos. Com tanto gato abandonado por aí, para que adotar um siamês, um persa ou um angorá? Um vira-lata bem cuidado tem os mesmos encantos de um felino com pedigree. Ou mais. Suspeita-se que sejam mais esportos e resistentes.
Dia desses, minha amiga Cora Ronai, recém-convertida à felinofilia, me deu outro argumento em favor dos vira-latas: a variedade. Todos os siameses se parecem; e o mesmo se diga dos demais gatos de raça. No promíscuo reino dos vira-latas, a diferença é a regra. além de mais espertos e resistentes, os vira-latas também têm mais imaginação.
Sensuais, asseados e sobranceiros, todos são, com ou sem pedigree. e também langorosos, dorminhocos, brincalhões, curiosos, inteligentes e enigmáticos. Para não falar das vantagens de suas dimensões (cabe em qualquer apartamento) e dos seus hábitos (come pouco e não precisa ser levado à rua para fazer suas necessidades).
Carinhosos e fiéis à sua maneira, não bajulam o dono como os cães costumam fazer. Nada tenho contra os cães, muito pelo contrário, mas só os idiotas não percebem que cão é prosa e gato,poesia.
Calmos e sábios como uma esfinge versejou a respeito deles o não menos sábio Baudelaire. Imbatíveis em expressão corporal, a um deles Balanchine ensinou "jetes" e "tour en láir" de difícil execução. "Finalmente encontrei um corpo para o qual vale a pena criar coreografias".
Das mil e uma obsrvações sobre gatos, poucas se igualam a uma de Dilys Laing, feita em forma de poesia, que reproduzo de memória e em prosa.
Estava o poeta a ler um ensaio sobre o espírito do Zen-Budismo, ao desviar os olhos do livro, avistou seu gato a contemplar o mundo enroscado numa poltrona. "Taí, acho que este é um livro que você gostaria de ler"., disse o poeta para o bichano. "Se é que você já não o leu", acrescentou, com um irônico sorriso nos lábios. Ao que o gato espreguiçando-se lentamente, respondeu: "Eu só o li uma vez, enquanto o escrevia".
Texto escrito na década de 1980 ou 1990? a única certeza é que foi no milênio passado, no século passado!
Este texto foi escrito há muito tempo atrás... hoje ter gatos largados na rua, comunitários como os do autor não é mais possível... adotá-los significa colocá-los dentro de casa ou no máximo nos domínios do quintal, mas de modo que não fujam para as casas vizinhas. Hoje sabe-se que gatos contraem todos os tipos de doenças e a maioria contagiosa, como a AIDS felina ou a leucemia felina, ambas contraídas por contato com a saliva, não afetam aos humanos, mas é fatal para os gatos.
Gatos dentro de casa não é complicado... há quem fique horrorizado... mas eles são higiênicos por natureza, não é necessário ensiná-los onde fazer suas necessidades. O problema é quando querem mostrar quem é quem manda... São brincalhões, sobem em todos os lugares, então é necessário fazer adaptações. Mas quem não faz? Quando se casa ou se tem filhos adaptações são necessárias, o mesmo com os pets. São tão boas companhias quanto os cachorros, gostam de dormir nas suas pernas no inverno, num aquecimento mútuo, gostam de ficar ao seu lado, acompanham seus movimentos por toda a casa, e quando você está ocupado demais eles não atrapalham... dormem... uma vantagem dos gatos, passam a maior parte do dia dormindo, por isso não sofrem de estresse do abandono, só porque você está trabalhando.
Nada contra cachorros, tenhos dos dois... mas no meio de tanto preconceito com relação aos gatos, é necessário ressaltar as qualidades. Por fim, dizer que eles se apegam aos lugares... é lenda... eles se apegam ao amor, ao carinho, à segurança!
